9/05/2007

Silent hands


Lentamente, pousava os olhos na palma das suas mãos. Talvez esperasse ver mapas que a levassem voar para sítios reconfortantes, semelhantes a ideias melosas a saber bem. Daquelas mãos, vinha-lhe à memória outras mãos que a seguraram no calor dos momentos. Recordações no baú da história que um dia ganharão pó, consoante a caminhada a seguir na calçada da sua vida.
Mas aquelas mãos estavam cheias de nada, soltas e descaídas no vazio arrepiante daquele momento, o único, que a segurava.
Sofregamente, entrelaçava os seus dedos, fazendo distorcer, por momentos, a realidade que a fitava com demónios chamados de solidão. Era aquela ausência, o intervalo do tudo que sentia, que a devorava, desprovido de qualquer sentimento de piedade. Como era difícil suportar a dor daquela queda, oriunda de tanto amor?
Restava-lhe o tempo dos afectos feridos, espalhados por tudo quanto é chão. Era o tempo de tanta coisa interdita, traçado em cada linha das suas desamparadas mãos.

All these people drinking lover's spit
Swallowing words while giving head
They listen to teeth to learn how to quit
They take some hands and get used to it
(…)
You know it's time
That we grow old and do some shit
I like it all that way
I like it all that way*


*Feist -
Lover's Spit
(Broken Social Scene).

9/01/2007

Tão Perto de Ti...



(...) Todo aquele tempo me ficou na memória como se o tivéssemos vivido numa paisagem gelada. As imagens deslizavam, gelatinosas, com a lenta e elegante paciência da garupa de uma duna no deserto. Nunca, em nenhum dos dias vividos depois, deixei de saber que as coisas que não aconteceram tinham tido tanta intensidade como as que foram reais.
Esta é a história de uma relação que não sei ainda se existiu realmente. Tudo brotava, dia a dia, em cada encontro, com a sobriedade e a contenção de sentimentos que ninguém saberia dizer se eram de alegria ou de solidão.
Nos nossos encontros, falando de coisas que no mundo nos aconteciam, eu pousava os olhos nos grãos de açúcar caindo-lhe no café, na comissura dos seus lábios, no seu jeito de pegar na colher, (...).
Era como se estivesse a olhar para uma fotografia dos meus pais quando eram namorados. A minha lembrança da sua maneira de estar, que não conseguia esconder uma certa forma de ternura, tinha a nitidez de uma boa fotografia a preto e branco.
A paisagem da cidade povoou-se rapidamente de bares, restaurantes e cafés que foram a nossa casa. Nunca estive tão isolado no meio de tanta gente. Nunca busquei tão intensamente aquilo que não esperava encontrar. Nunca me senti tão invariavelmente esgotado depois de cada encontro. Era como se tivéssemos feito amor. (...)

* "Tão Perto de Ti..." de Jordi Nadal .
Imagem: Brent Hume - Morning Coffee.