1/28/2007

Jardim Perdido

"Feel the warm further rise..."
Jardim
em flor, jardim de impossessão,
Transbordante de imagens mas informe,
Em ti se dissolveu o mundo enorme,
Carregado de amor e solidão.
A verdura
das arvores ardia,
O vermelho das rosas transbordava
Alucinado cada ser subia
Num tumulto em que tudo germinava.
A luz trazia
em si a agitação
De paraísos, deuses e de infernos,
E os instantes em ti eram eternos
De possibilidades e suspensão.
Mas cada
gesto em ti se quebrou, denso
Dum gesto mais profundo em si contido,
Pois trazias em ti sempre suspenso
Outro jardim possível e perdido.

Sophia de Mello Breyner Andresen

1/23/2007

The space between us


Sentou-se à beira da janela e observou os carros que fluíam pelas veias da cidade. Absorvia o Sol da tarde que lhe amolecia os pensamentos, enquanto esperava que ele chegasse do trabalho. Aquela seria a nova paisagem que veria do seu novo lar, partilhado com quem mais queria. A sua vida saíra da rotina habitual, mas se calhar para melhor. Gostava de sentir aquele sentimento de um futuro indefinido, a saber a risco. Era um risco calculado, balanceou-se nessa ideia.
Sem ela dar por isso, ele já tinha chegado a casa e sentou-se no chão quente da varanda, junto dela. Olhares cúmplices renderam-se num beijo longo que lhes soube bem. Foi um beijo de saudade pelo tempo que estiveram ausentes. Esse beijo acalmou-a e fez – lhe ver que afinal, o risco era um sabor doce e acima de tudo, desejado pelos dois. Aconchegou-se nos braços dele, inalando o seu perfume e sentindo-se a mulher mais desejada do mundo. Talvez era o Sol que os aquecia naquela tarde de Inverno, ou talvez eram eles, o próprio Sol de Inverno que brilhava mais alto do que qualquer estação do ano. (...)
Ela acordou. Sentiu-se impotente perante a realidade que a engolia. É difícil agarrar um sonho, quando este se escapa por entre os dedos. Sobrava-lhe apenas as sensações num emaranhado de “se’s”, enquanto fechava e abria os seus olhos para a realidade que a fitava. Acordou de vez.


1/16/2007

Fora d'horas

Estava boquiaberta com a notícia que ele lhe deu. Ficou confusa. Aquele dia que ela desejara outrora, tornou-se realidade. Aquele dia, que ela deixou de sonhar porque sonhos são isso mesmo, ilusões grandes, tornara-se num facto real.
A notícia batia-lhe nos seus neurónios e fazia ricochete na alma. Detinha-se. Seria possível voltar a amar alguém que voltara? Esse mesmo alguém, que decide dar uma viravolta na vida e muda de cidade?
Recordava-se das loucuras de há muito tempo, das aventuras à socapa dos olhos alheios em tempos de universidade. Daquele amor proibido e por ser proibido, tinha mais gozo. Fechando os olhos, deteve-se na lembrança daquele romance que desencadeou uma série de fugas para outras cidades, onde as suas mãos se podiam entrelaçar, livres como pássaros.
Como história acabou, já não se lembrava bem, afinal, era uma história arrumada e a gaveta sempre esteve fechada.
Para já, ambos estavam livres. Para ela, incomodava-lhe saber que ele morava na mesma cidade. Para ele, sabia bem começar de novo a sua vida.

Pausadamente, foi digerindo a notícia sem saber bem que tipo de sentimento definir. Apetecia-lhe mudar de cidade. Fugir? Não. Ela também tinha a necessidade de começar de novo, e sim, noutra cidade, de preferência, embalada nas asas de algum outro colibri.


Imagem: KLIMT, Gustav - The apple tree I.

1/15/2007

Let it flow


Saída à noite. Luzes disparadas buscando cantos nos corpos que dançam na pista. Sorrisos soltam-se, gestos se misturam, olhares denunciam-se. É o círculo da noite que se fecha e brota em nós, como se efemeridade tratasse. E é. Buscam-nos essa troca de olhares, esses olhares que nos comem até ao osso. Há outros que querem chegar até à alma e por lá querem ficar.

Nesta vida, nem tudo é só sonhar. Também é acreditar e deixar o sonho desvanecer-se numa bela e nova realidade: a de amar. Até mesmo num cenário diferente daquele que esperávamos, porque estas coisas não escolhem nem o tempo e nem o lugar. Acontecem.

“- So let it flow...”.*
The Strokes - Razorblade


Imagem: MIRÓ, Joan - Swallow/Love.
* Thx U! :P

1/10/2007

Rota


Vamos pela estrada mais leves, mais livres e com um pouco de mais sabedoria. Chegar ao final do dia, com o espírito calmo e vontade de caminhar é um ensinamento do tempo...
O barco tem rumo e os ventos, com certeza, serão favoráveis porque se sabe para onde vai. E onde estou neste caminho, não é um acaso mas um resumo de rotas apontadas no livro da vida. Achei melhor despejar o que já não preciso e atirá-lo para alto mar. Despedi-me do peso, mas as recordações vão sempre aqui: no coração. Esperam-me outros portos por descobrir. E se chegar a altura de ficar, ficarei, porque sabe bem permanecer num porto chamado felicidade. Pois nesta vida há tempo para tudo; só não há tempo para aquilo que não queremos.
- É tempo de partir, de viver e aprender uma vez mais. Por cá, segue-se em frente.

“Forever love
Say you'll love
Diga-me, Diga-me
Tell me so
I can hold you in my soul
If I go
I'll know”



Imagem: WHISTLER, James Abbott McNeill - Symphony in Grey and Green: The Ocean

1/07/2007

Lost hours


Há momentos, em que as palavras doces se tornam amargas. Presume-se que seja a dor que as afecta, que as corta em finíssimas camadas esmiuçando o seu sabor.

Há horas que não param o desafiar dos pensamentos, quando nos falta o que queremos. Horas perdidas? Pensamentos perdidos?
Há olhares que contam essas horas passadas...

Porquê que há merdas que não se esquecem?


Música VAST - "Lost"
Imagem: Shhh, Dezembro 06

1/03/2007

Quase tudo...


O despertador deu início ao dia que se adivinhava ser passado com alguma agitação. Levantou-se ainda ensonada e nem água do chuveiro foi capaz de dissipar aquele nervosismo miudinho de voltar a reencontrar aqueles amigos pequeninos mas que são grandes no seu coração.
Fez as suas voltas, fez um favor a uma amiga e pensou se a mesma era capaz de fazer o mesmo por si. Gostou de acreditar que sim, mas na verdade, são poucos os verdadeiros amigos que estão sempre dispostos a ajudar, independentemente, das suas tarefas diárias.
De volta ao trabalho, foi recebida com fortes abraços dos adultos e muitos miminhos dos tais pequeninos do seu coração. Sempre com grandes sorrisos e de braços enrolados à volta da sua cintura. Diziam-lhe que tinham saudades dela. Palavras para quê?... É tão bom saber que gostam de nós e que sentem a nossa falta, sobretudo, quando sentimos que é mesmo verdade – disse.
As horas passaram rápido e o balanço do dia foi feito com pensamentos e desejos positivos para um ano novo, cheio de trabalho árduo. Os seus objectivos mantêm-se: continuar a dar 200% para atingir uma quase que "semi-perfeição". Provavelmente, seria uma boa ideia para 2007, mudar a sua forma de pensar, no que concerne, às suas exigências - pensou. Porém, a sua forma de estar, não permite deixar as coisas inacabadas ou pouco desenvolvidas. Dá sempre o seu melhor em tudo. Manias da perfeição ou picuinhas? Não interessa - disse. O que vale, é estarmos bem connosco próprios e se gostamos assim, (até mesmo com valentes cabeçadas) porque não continuar? Pelo menos, sabe que ninguém tem nada apontar e se tiver, que se lixe. Continuará a dar o seu melhor em tudo o que se passa na sua vida.
Uma coisa é certa, ela vive tudo e devora o dia, antes que o dia se torne tarde para o tudo que há na vida.
Imagem: DALI, Salvador - The garden of hours

1/02/2007

A Sorta Fairytale


Era capaz de contar coisas que consomem a alma nestes dias. Até era capaz, de expressar novamente o que disse ou o que fiz. Mas, a linha da mente esbarra sempre com a do coração fazendo, por isso, entoar ecos soltos no vazio deste espaço. São estilhaços lancinantes que ferem cada sentido que trago comigo. Por isso, sento-me aqui, tentando permanecer inerte ao movimento dos impulsos ardentes que se detêm, nesta condição tão pouco definida. Fujo dessas linhas que, sei que se tornarão labirintos infinitos com receio aparente de me perder e esquecer onde estou. Esses dois lados opostos - razão ou emoção - tornam-se loucos quando vividos distintamente e, acima de tudo, intensamente. Despontam vícios que se criam na mais pura ingenuidade do sentir, do querer, do estar ou do ser.
Eu sei, que era capaz de me sentir tentada a viver novamente naquele lado mais perto do coração. Dizem que, as suas ruas são alegres e fazem bem à alma e ao corpo. Não sei bem, se é um sítio paradisíaco ou um lado definido por aqueles que temem ou então, um lado indefinido por aqueles que não têm medo de arriscar. Se calhar, até são ambas as coisas.
Mas custou-me fazer as malas. Era tão bom se pudesse ficar nesse lado -
A
G
O
R
A
- resido no intermédio do sentir e do pensar. Tenho asas mas não consigo voar.
Magoam-me.
Imagem: BRAUNER, Victor - Chimére.